Dos poucos (33, aproximadamente) anos de vida de Jesus na Terra, cerca de 3 foram dedicados ao
seu ministério público. No entanto, a quarta parte daquilo que os evangelistas
registraram em seus relatos é dedicada a uma única semana – denominada “Semana
Santa”, a semana que compreende os eventos entre a entrada triunfal de Jesus em
Jerusalém no domingo anterior à Páscoa e o domingo de sua ressurreição. Se os
evangelistas dedicaram tanta atenção àquela semana, ela deve ser muito
importante, e devemos nós também dar uma atenção especial a ela.
O evento
hoje em dia relembrado como “Entrada Triunfal”, bastante conhecido no meio
cristão, nos oferece fortes evidências do plano soberano de Deus para a
salvação da humanidade. Minha intenção aqui é “esticar” a história para além
deste evento pontual, e coloca-la sob perspectiva do plano abrangente de Deus.
O relato de
João, no capítulo 12:12-19 diz o seguinte:
No dia seguinte, ouvindo uma grande multidão,
que viera à festa, que Jesus vinha a Jerusalém,
Tomaram ramos de palmeiras, e saíram-lhe ao
encontro, e clamavam: Hosana! Bendito o Rei de Israel que vem em nome do
Senhor.
E achou Jesus um jumentinho, e assentou-se
sobre ele, como está escrito:
Não temas, ó filha de Sião; eis que o teu Rei
vem assentado sobre o filho de uma jumenta.
Os seus discípulos, porém, não entenderam isto
no princípio; mas, quando Jesus foi glorificado, então se lembraram de que isto
estava escrito dele, e que isto lhe fizeram.
A multidão, pois, que estava com ele quando
Lázaro foi chamado da sepultura, testificava que ele o ressuscitara dentre os
mortos.
Por isso a multidão lhe saiu ao encontro,
porque tinham ouvido que ele fizera este sinal.
Disseram, pois, os fariseus entre si: Vedes que
nada aproveitais? Eis que toda a gente vai após ele.
Para aqueles
que cresceram em um ambiente cristão, ou que participam de alguma igreja há
algum tempo, essa história não é novidade. A final de contas, é o registro
daquilo que aconteceu a Jesus na semana anterior à Páscoa. Mas essa jornada na
verdade iniciou muito antes da entrada de Cristo em Jerusalém. Eu gostaria de compartilhar alguns detalhes
que frequentemente nos fogem a essa perspectiva, mas que podem nos dar um
entendimento mais aprofundado em várias outras histórias do ministério do
Senhor. Para isso, vamos considerar três pontos relativos a esse evento de
grande importância.
1. Jesus completou a missão que Deus preparou
para ele
A história
de Jesus entrando em Jerusalém inicia muito antes desse evento, uma vez que a
última viagem de Jesus à cidade iniciou meses
antes do seu ingresso na mesma. O próprio Jesus falou de uma ocasião específica
em que ele deveria estar em
Jerusalém. João menciona outras vezes em que o Senhor esteve em Jerusalém para
festividades judaicas (é com base nesses dados que se estima a duração de 3
anos do seu ministério), mas esta ocasião traria um significado especial e
teria um papel fundamental no plano eterno de Deus.
A primeira
vez que Jesus falou da necessidade de ir à cidade foi logo após a confissão de
Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Mateus (16:21) chega a relatar
que “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe
era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos e dos
escribas, e ser morto e ressuscitado no terceiro dia”. Certamente não é
coincidência o fato de que a identidade e a missão de Jesus foram reveladas ao
mesmo tempo. É como se ele estivesse dizendo: “Beleza, agora que vocês sabem
quem eu sou, eu vou contar o que eu realmente
vim fazer”. Sua identidade como Cristo, o Filho do Deus vivo, é inseparável da sua
missão e propósito.
A primeira
revelação, relativa à necessidade de sofrer em Jerusalém, foi dura aos ouvidos
dos discípulos, e eles resistiram. Pedro, que há pouco havia confessado Jesus
como Cristo, repreendeu Jesus dizendo “isso nunca
acontecerá a ti”, e o Senhor lhe corrigiu dizendo que a sua mente estava fixada
“nas coisas dos homens, não nas de Deus”.
A segunda
vez que Jesus falou sobre sua morte foi logo após a transfiguração. Nessa
ocasião, seis dias após a confissão de Pedro, Jesus levou o próprio Pedro,
Tiago e João, e subiu uma montanha com eles. Lá, sua glória foi manifestada a
eles, na transfiguração de Cristo, em que sua face resplandeceu como o Sol e
suas roupas se tornaram brancas. Ali, Moisés e Elias, a Lei e os Profetas,
testificaram do Cristo e falaram com Jesus acerca das coisas que estavam para
acontecer. E, mais uma vez, temos a correlação entre a identidade revelada de
Jesus e sua missão. Embora nenhum dos evangelistas tenha mencionado Jerusalém
explicitamente, o relato de Lucas inclui a afirmação de Moisés e Elias, que “falavam
sobre a partida (no grego, Exodus),
que estava para se cumprir em Jerusalém” (9:31). Nesse momento, após receber
instrução, que Jesus iniciou sua jornada a Jerusalém, também reforçada por
Lucas: “Aproximando-se o tempo em que seria levado aos céus, Jesus partiu
resolutamente em direção a Jerusalém” (9:51).
A terceira
vez que Jesus mencionou sua missão em Jerusalém é relatada de forma
impressionante por Marcos (10:32-34):
E iam no caminho, subindo para Jerusalém; e
Jesus ia adiante deles. E eles maravilhavam-se, e seguiam-no atemorizados. E,
tornando a tomar consigo os doze, começou a dizer-lhes as coisas que lhe deviam
sobrevir, dizendo: Eis que nós subimos a Jerusalém, e o Filho do homem será
entregue aos príncipes dos sacerdotes, e aos escribas, e o condenarão à morte,
e o entregarão aos gentios. E o escarnecerão, e açoitarão, e cuspirão nele, e o
matarão; e, ao terceiro dia, ressuscitará.
Neste ponto
Jesus já estava a caminho, em um ritmo lento, de Jerusalém. E à medida em que
ele se aproximava de seu destino, as coisas ficavam mais sérias e intensas.
Isso é perceptível pela crescente quantidade de detalhes que ele dava sobre sua
morte, e pela resposta emocional de seus seguidores: eles estavam maravilhados
e atemorizados. Jesus prosseguia a Jerusalém, em ritmo crescente, como alguém
que tinha algo muito importante e difícil a fazer lá, e ele não queria perder o
impulso e o propósito. Havia algo muito importante a ser realizado! Havia um
plano a ser cumprido! Você já esteve tão determinado a fazer algo que sua forte
resolução impressionou alguém?
Mas as
dificuldades não eram esperadas só em Jerusalém – elas foram vivenciadas ao
longo de toda a jornada. Primeiro, Jesus enfrentou rejeição em uma aldeia
samaritana, porque “sua face era a de quem ia a Jerusalém” (Lucas 9:53) - o episódio em que Tiago e João queriam que
fogo caísse do céu e consumisse o vilarejo. De qualquer forma, essa rejeição
pode ter causado um incremento no tempo total de viagem, uma vez que o trajeto
mais curto passava pelo território de Samaria e Jesus precisou contorna-lo. Uma
segunda vez, relatada em Lucas 13:31-35, ocorreu quando Herodes (o tetrarca da
Galiléia e Peréia), alegadamente, queria tirar a vida de Jesus. Essa ameaça foi
dita ao Senhor pelos Fariseus (sim, os próprios!), que aconselharam Jesus a
deixar a região. Ele lhes respondeu que estava, sim, de partida – não para
fugir da morte, mas para garantir que ela acontecesse no local apropriado:
Jerusalém.
Deus também
preparou uma jornada para cada um de nós. Ele nos chamou para uma maratona, sobre
a qual o autor de Hebreus escreveu: deixemos
todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com
paciência a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e
consumador da fé, (...). Considerai, pois, aquele que suportou tais
contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais,
desfalecendo em vossos ânimos. (12:1-3). Às vezes o destino final parece
distante – a realização de sonhos e tarefas que o Senhor nos confiou. Às vezes
dificuldades podem causar certo atraso ou nos fazer duvidar que chegaremos lá.
Mas há um propósito para a sua vida, estabelecido por Deus.
2. Jesus gastou tempo com pessoas
Como lemos
anteriormente, Jesus estava se aproximando de Jerusalém em um ritmo intenso.
Ele estava focado no objetivo último de seu ministério, sem tempo a perder. Mas,
por mais impressionante que seja, e mesmo sob tais circunstâncias, Jesus nunca
ignorou ou dispensou pessoas – elas eram (e são) a razão pela qual ele veio. Se
considerarmos somente os últimos 20 km da viagem (de Jericó a Jerusalém), há
muitas histórias de encontros marcantes entre Jesus e pessoas por ele cuidadas.
Sem muitos detalhes, eu gostaria de apontar algumas delas:
·
O
cego Bartimeu, que clamava “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!”. A
multidão, ansiosa para ver Jesus entrando em Jerusalém não queria permitir
nenhum empecilho à viagem (e talvez o próprio Jesus, por estar absorvido no
propósito de chegar à cidade santa, não discerniu os primeiros clamores do
homem). Mas Jesus lhe deu a atenção necessária e o curou.
·
Zaqueu,
o coletor de impostos, considerado pecador e traidor pelos judeus, foi buscado
por Jesus;
·
Lázaro,
que foi ressuscitado de entre os mortos;
·
Maria,
irmã de Lázaro, que honrou a Jesus e foi por ele honrada antes de sua morte.
Não é
maravilhoso saber que Jesus nos aprecia e se interessa por nós como indivíduos?
Que, mesmo sem se esquecer da visão geral do plano de Deus e de cumpri-lo,
Jesus se apraz em ter um relacionamento pessoal conosco? Seu objetivo final não
foi simplesmente cumprir uma tarefa, mas alcançar pessoas. Elas eram a razão de
sua missão.
Devemos ter
em mente que o Reino e o coração de Deus são centrados em pessoas, e não em uma
lista de tarefas ou programas que devemos realizar perfeitamente. Da mesma
forma como os encontros de Jesus ao final de sua trajetória, praticamente todos
os demais encontros foram casuais, à medida que ele “seguia seu caminho”, sem
agendar reuniões.
Como nós
tratamos as pessoas quando estamos “muito ocupados” ou com nossas mentes “em
outro mundo”? Damos maior importância à programas e projetos do que a pessoas?
Nossa missão como cristãos são as pessoas, não o ministério. O ministério é a
forma de alcançar gente.
3. Jesus é o Rei cujo Reino é e há de
vir
Nesses
últimos vinte quilômetros, percebemos que uma multidão seguia Jesus. E, à
medida em que ele avançava, mais gente se unia. Havia tanta expectativa com
relação ao Senhor, mais especificamente, eles buscavam um líder político que
libertaria Israel do jugo romano, assim como Moisés livrou os israelitas da
opressão egípcia: o livramento que seria celebrado em poucos dias, na Páscoa.
Lucas 19:11
nos diz que “Estando eles a ouvi-lo, Jesus passou a contar-lhes uma parábola,
porque estava perto de Jerusalém e o povo pensava que o Reino de Deus ia se
manifestar de imediato”. Tiago e João, inclusive, já estavam pedindo ao Cristo
que lhes concedesse assentos ao seu lado no “Reino”, provavelmente imaginando
que a jornada à Jerusalém culminaria em uma tomada da terra dos romanos para os
israelitas.
Para Jesus,
sua chegada à Jerusalém significava algo totalmente diferente do que para seus
seguidores. Estes buscavam um reino na terra, um libertador político – o que
levou a uma grande frustração. Jesus estava, de fato, introduzindo um Reino –
não dos homens, mas de Deus; não físico, mas invisível. Aquelas pessoas não
foram capazes de entender o que Paulo mais tarde descreveu como “o mistério de
Deus, oculto por eras e gerações” (Col. 1:26). “Mas que agora”, continua Paulo,
“foi revelado aos seus santos”. Nós recebemos os Espírito Santo, e com ele a
possibilidade de conhecer e compreender a mente de Cristo. Não sejamos
alarmados por nenhuma sorte de turbulência, nem abalados em nossa fé por circunstâncias
exteriores. O Reino ainda é invisível, e está em nós que recebemos o “Cristo, o
filho do Deus vivo”.
Qual era a
importância da entrada triunfal, além do cumprimento de uma profecia? Para as
pessoas, como supracitado, significava que os dias de opressão romana estavam
contados. A expressão “Hosana!” significa “Oh, salva-nos!”. O uso de ramos de
palmeiras, o símbolo nacional judaico, implica certa forma de nacionalismo. Ao cobrir
a estrada com suas capas, o povo estava afirmando seu compromisso de se
sujeitar a Cristo como seu Rei, assim como os israelitas haviam feito quando
Jeú foi coroado rei de Israel (2 Reis 9:13). Ao mencionar Davi e seu reino,
chamando Jesus de “filho de Davi” e “Rei de Israel” eles estavam reforçando seu
apoio incondicional àquele que eles imaginavam que seria seu rei. O clamor é
baseado em Salmos 118:25,26.
Para Jesus,
essa entrada significava a inauguração do seu Reino dos Céus por meio de sua
morte. Ele não tinha uma ideia equivocada quanto ao que haveria de acontecer. Seus
olhos e seu coração estavam fixos em seu propósito. Ele amou as pessoas até o
fim. Sua jornada era à cruz, para lidar com o pecado de uma vez por todas.
Jesus é o Rei que morreu em favor de seus súditos.
Provavelmente
o principal aspecto da “entrada triunfal” e seu relato nos evangelhos é
registrar o cumprimento da profecia de Zacarias 9:9. Há uma lista de 353
profecias que foram cumpridas em Jesus. Aliás, uma expressão frequente nos evangelhos
é a que diz “para que se cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas”,
ou similares. Isso era com o objetivo de trazer confiança na identidade do
Cristo e prover as pessoas (especialmente os judeus) com formas de reconhecê-lo.
Mas há alguns aspectos interessantes sobre esses cumprimentos que precisamos
entender:
·
Primeiramente,
Jesus participou na busca por entendimento e cumprimento das profecias a seu
respeito. Há uma intenção clara, uma proatividade que o levou a isso. Em muitos
casos Jesus provocou o cumprimento de
uma profecia (por exemplo, ao dizer, na cruz, “tenho sede”). Para tanto, ele
precisava conhecer essas escrituras.
·
Em
segundo lugar, é que sempre havia um fator sobrenatural no cumprimento das
profecias, o que revela uma grande confiança no Pai. Aquilo que não podia ser
controlado ou realizado por Jesus era feito pelo Pai. No caso da profecia do
jumentinho, além do conhecimento sobrenatural, podemos apontar para a acurácia
e convicção daquilo que Jesus disse sobre o jumento e sobre os eventos que os
discípulos deveriam esperar ao busca-lo para o Senhor.
· Em
terceiro lugar, temos a participação dos discípulos. Apesar do fato de eles não
compreenderem inteiramente tudo o que estava acontecendo, e nem mesmo
associarem esse evento com as Escrituras até mais adiante, a sua obediência
facilitou o cumprimento. Os discípulos, como sempre, tiveram participação
importante ao preceder Jesus. Assim como ele havia enviado os discípulos às
aldeias que ele mais tarde haveria de visitar, ele enviou dois discípulos para
buscar o jumento. Esse fato, omitido por João, é mencionado por todos os demais
evangelistas. Jesus lhes deu instruções bem claras: uma tarefa, um
direcionamento, o conhecimento necessário e as ferramentas para concluir a obra.
Deus é fiel
em todas as suas promessas. Assim como muitas profecias foram cumpridas em
Cristo, há tantas outras que serão cumpridas em seu devido tempo. Nesse
intervalo, devemos buscar entendimento com relação ao nosso papel no plano
soberano de Deus e seu Reino.
Nós,
cristãos, estamos bem familiarizados com muitas profecias e trechos da Bíblia
que falam sobre Jesus diretamente. Mas Deus tem promessas e instruções para nós
também! O Salmo 139 fala sobre os pensamentos maravilhosos de Deus a nosso
respeito. Efésios 2:10 diz que “fomos criados em Cristo Jesus para as boas
obras, as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas”. Não considere
as Palavra de Deus como algo impessoal, sem significado particular, que não se
aplica a você como indivíduo. Vamos trabalhar para a realização do evangelho em
nossas vidas! Vamos confiar no Senhor para concretizar em e através de nós aquilo
que a nós é impossível, sem eliminarmos ou abafarmos o sobrenatural de Deus
como uma realidade a ser esperada. Vamos nos envolver na vontade de Deus e
compartilhar de seu propósito!
Paulo
testificou, a falar das dificuldades e aflições que enfrentava no ministério:
“Graças,
porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós,
manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento” (2 Coríntios 2:14)
Jesus
verdadeiramente triunfou – talvez não como os israelitas esperavam, mas de
forma mais profunda e completa. Ele adentrou Jerusalém como um vencedor – sobre
o pecado e a morte. E ele nos conduz nesse desfile triunfal consigo, sendo o
nosso modelo perfeito.