domingo, 5 de junho de 2011

Sobre a Humanidade

“O espírito crê naturalmente e a vontade ama naturalmente, de modo que, na falta de verdadeiros objetos, é necessário que se apeguem aos falsos” (Pascal)



Tenho pensado muito ultimamente na condição do ser humano. Tenho lido um pouco sobre isso também, e admito que comecei pela parte “pessimista” do esquema.
O principal problema da humanidade é o fato de que nós não sabemos quem somos. Na verdade, fugimos ao máximo da pergunta e ainda mais da resposta. Minhas reflexões atuais estão direcionadas aos mecanismos psicológicos que nos orientam como ser: ações, pensamentos, sentimentos.

Quando afirmei que havia começado pela parte pessimista não estava brincando; tenho lido um pouco da teoria psicanalítica de Sigmund Freud, e para fundamentar meus argumentos vou fazer um breve relato do meu entendimento sobre a psicanálise até agora, e acreditem, é bem interessante:
Freud coloca o ser humano na condição do determinismo psíquico, ou seja, não há descontinuidades na vida mental. Nada ocorre ao acaso, e pensamentos, sentimentos e ações possuem causas que serão necessariamente conscientes ou inconscientes. Freud chama de consciente o conjunto das coisas das quais estamos cientes um dado momento. O inconsciente é composto pelos elementos instintivos não-conscientes, obtidos inconscientemente ao decorrer da vida, e que explicam algumas situações da nossa vida (forma como agimos ou pensamos) que aparentemente não possuem causa evidente. “Memórias muito antigas, quando liberadas à consciência, não perderam nada de sua força emocional” (Fadiman e Frager, 1979). O pré-consciente são partes do inconsciente que se tornam conscientes com facilidade (pois geralmente o inconsciente não está acessível à consciência).

Colocando de uma forma bastante resumida, Freud diz que a dinâmica mental é composta de duas etapas: tensão e alívio da tensão. Para isso, atribui-se ao fator que tem como finalidade reduzir a tensão o nome de pulsão ou instinto (pressão que faz o organismo tender ao um alvo). Instinto tem uma característica mais hereditária, de comportamento herdado e que pouco varia na espécie, enquanto que a pulsão passa por etapas mais complexas. Ambas possuem quatro componentes: fonte (de tensão), finalidade (reduzir tensão), pressão (força empregada no processo) e objeto(que inclui tudo o que permite a satisfação da necessidade, incluindo o próprio processo).

Freud também fala de dois tipos de instintos básico: a libido (originalmente denotando energia sexual, mas que depois passou a denotar instinto para a vida, frequentemente expresso na sexualidade) e o instinto agressivo (energia destrutiva), opostos entre si.

Na psicanálise o principal desafio à psique é encontrar formas de enfrentar a ansiedade (tensão). E isso pode ser feito enfrentado o problema diretamente ou criando distorções, os mecanismos de defesa. São eles:

• Repressão: afastar o problema da consciência;
• Negação: não aceitação de um ato que perturba o ego (parte “moral” da personalidade), do forma que a própria memória é subjugada;
• Racionalização: achar motivos aceitáveis para processos que nossa moral reprovaria (Ex: “Eu fiz isso para seu próprio bem”, pode expressar: ” eu quero fazer isso para você. Eu não quero que façam isso comigo. Eu até quero que você sofra um pouco” (Fadiman e Frager, 1979));
• Formação reativa: substitui o desejo real por um diametralmente oposto.
• Projeção: atribuir qualidades, sentimento e ações que se originam em si próprio a um outro ser. Ex: quando se diz “Os homens querem apenas uma coisa”, na verdade pode estar querendo se dizer “eu penso muito sobre sexo”.
• Isolamento: separar as o motivo da tensão do resto da psique, gerando indiferença a um assunto que, na verdade, produziria muita inquietação.
• Regressão: retorno a um nível de desenvolvimento anterior. Inclui: fumar, embriagar-se, roer unhas, quebrar leis, apostar, arriscar-se, etc.

Ao estudar isso muita coisa veio à minha mente. A complexidade inerente à nossa personalidade é realmente perturbadora. A nossa história compõe a nossa personalidade. Há tantas inquietações, tantas ações, pensamentos e sentimentos que se formam em nós e que nos perturbam e contra os quais lutamos, ou pelos quais nos condenamos, e dos quais nada sabemos senão o resultado final.
Falta sinceridade com nós mesmos. Falta autoanálise. Enquanto não nos conhecemos deixamos de ser aquilo para o qual existimos, a nossa identidade, e deixamos pra trás feridas abertas, situações mal-resolvidas, e uma existência cheia de vazio. Perguntas questionando nossas ambições, sentimentos com relação a nós mesmos e a outros, nossas tendências e inclinações, medos, a forma como satisfazemos nossas necessidades. Sem julgamentos prévios. As conclusões e a moralidade devem ficar para um segundo momento. Por exemplo, muitas vezes não admitimos que somos vingativos porque condenamos esse tipo de comportamento. Mas na verdade nossos sentimentos são profundamente vingativos, e nossa atitude de negação limita a nossa cura.

Quero encerrar citando Pascal (Pensées – Pensamentos):

“Quando não se sabe a verdade de alguma coisa, é bom que haja um erro comum que fixe o espírito dos homens, por exemplo, a Lua, à qual se atribui a mudança das estações, o progresso das doenças, etc. “

“É preciso conhecer-se a si próprio; se não servisse para encontrar a verdade, pelo menos serviria para regular a própria vida, e nada mais justo”.
“As coisas têm diversas qualidades e a alma, diversas inclinações, pois nada do que se oferece à alma é simples e a alma nunca se oferece simples em nenhuma situação. Disso decorre que se chora e se ri de uma mesma coisa.”

“Condição do homem: inconstância, tédio, inquietude.”

“Nós não nos contentamos com a vida que temos em nós e em nosso próprio ser: queremos viver na idéia dos outros com uma vida imaginária e para isso nos esforçamos em parecer. Trabalhamos sem cessar em embelezar e conservar nosso ser imaginário e negligenciamos o verdadeiro. E se tivermos tranqüilidade, generosidade, fidelidade, nos apressamos em fazê-los saber a fim de ligarmos essas virtudes a nosso outro ser e as desligaríamos de nós para acrescentá-las ao outro(...)”

“O homem não é anjo nem animal e a desgraça é que quem quer fazer o anjo faz o animal”

Referências bibliográficas:
- Teorias da Personalidade, Fadiman, J. e Frager, R., São Paulo: Harper e Row do Brasil, 1979;
- Pensamentos, Blaise Pascal, editora Escala.

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