quinta-feira, 15 de março de 2018

Jornada Triunfal


Dos poucos (33, aproximadamente) anos de vida de Jesus na Terra, cerca de 3 foram dedicados ao seu ministério público. No entanto, a quarta parte daquilo que os evangelistas registraram em seus relatos é dedicada a uma única semana – denominada “Semana Santa”, a semana que compreende os eventos entre a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém no domingo anterior à Páscoa e o domingo de sua ressurreição. Se os evangelistas dedicaram tanta atenção àquela semana, ela deve ser muito importante, e devemos nós também dar uma atenção especial a ela.
O evento hoje em dia relembrado como “Entrada Triunfal”, bastante conhecido no meio cristão, nos oferece fortes evidências do plano soberano de Deus para a salvação da humanidade. Minha intenção aqui é “esticar” a história para além deste evento pontual, e coloca-la sob perspectiva do plano abrangente de Deus.
O relato de João, no capítulo 12:12-19 diz o seguinte:

No dia seguinte, ouvindo uma grande multidão, que viera à festa, que Jesus vinha a Jerusalém,
Tomaram ramos de palmeiras, e saíram-lhe ao encontro, e clamavam: Hosana! Bendito o Rei de Israel que vem em nome do Senhor.
E achou Jesus um jumentinho, e assentou-se sobre ele, como está escrito:
Não temas, ó filha de Sião; eis que o teu Rei vem assentado sobre o filho de uma jumenta.
Os seus discípulos, porém, não entenderam isto no princípio; mas, quando Jesus foi glorificado, então se lembraram de que isto estava escrito dele, e que isto lhe fizeram.
A multidão, pois, que estava com ele quando Lázaro foi chamado da sepultura, testificava que ele o ressuscitara dentre os mortos.
Por isso a multidão lhe saiu ao encontro, porque tinham ouvido que ele fizera este sinal.
Disseram, pois, os fariseus entre si: Vedes que nada aproveitais? Eis que toda a gente vai após ele.

Para aqueles que cresceram em um ambiente cristão, ou que participam de alguma igreja há algum tempo, essa história não é novidade. A final de contas, é o registro daquilo que aconteceu a Jesus na semana anterior à Páscoa. Mas essa jornada na verdade iniciou muito antes da entrada de Cristo em Jerusalém.  Eu gostaria de compartilhar alguns detalhes que frequentemente nos fogem a essa perspectiva, mas que podem nos dar um entendimento mais aprofundado em várias outras histórias do ministério do Senhor. Para isso, vamos considerar três pontos relativos a esse evento de grande importância.

      1.       Jesus completou a missão que Deus preparou para ele
A história de Jesus entrando em Jerusalém inicia muito antes desse evento, uma vez que a última viagem de Jesus à cidade iniciou meses antes do seu ingresso na mesma. O próprio Jesus falou de uma ocasião específica em que ele deveria estar em Jerusalém. João menciona outras vezes em que o Senhor esteve em Jerusalém para festividades judaicas (é com base nesses dados que se estima a duração de 3 anos do seu ministério), mas esta ocasião traria um significado especial e teria um papel fundamental no plano eterno de Deus.
A primeira vez que Jesus falou da necessidade de ir à cidade foi logo após a confissão de Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Mateus (16:21) chega a relatar que “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos e dos escribas, e ser morto e ressuscitado no terceiro dia”. Certamente não é coincidência o fato de que a identidade e a missão de Jesus foram reveladas ao mesmo tempo. É como se ele estivesse dizendo: “Beleza, agora que vocês sabem quem eu sou, eu vou contar o que eu realmente vim fazer”. Sua identidade como Cristo, o Filho do Deus vivo, é inseparável da sua missão e propósito.
A primeira revelação, relativa à necessidade de sofrer em Jerusalém, foi dura aos ouvidos dos discípulos, e eles resistiram. Pedro, que há pouco havia confessado Jesus como Cristo, repreendeu Jesus dizendo “isso nunca acontecerá a ti”, e o Senhor lhe corrigiu dizendo que a sua mente estava fixada “nas coisas dos homens, não nas de Deus”.
A segunda vez que Jesus falou sobre sua morte foi logo após a transfiguração. Nessa ocasião, seis dias após a confissão de Pedro, Jesus levou o próprio Pedro, Tiago e João, e subiu uma montanha com eles. Lá, sua glória foi manifestada a eles, na transfiguração de Cristo, em que sua face resplandeceu como o Sol e suas roupas se tornaram brancas. Ali, Moisés e Elias, a Lei e os Profetas, testificaram do Cristo e falaram com Jesus acerca das coisas que estavam para acontecer. E, mais uma vez, temos a correlação entre a identidade revelada de Jesus e sua missão. Embora nenhum dos evangelistas tenha mencionado Jerusalém explicitamente, o relato de Lucas inclui a afirmação de Moisés e Elias, que “falavam sobre a partida (no grego, Exodus), que estava para se cumprir em Jerusalém” (9:31). Nesse momento, após receber instrução, que Jesus iniciou sua jornada a Jerusalém, também reforçada por Lucas: “Aproximando-se o tempo em que seria levado aos céus, Jesus partiu resolutamente em direção a Jerusalém” (9:51).
A terceira vez que Jesus mencionou sua missão em Jerusalém é relatada de forma impressionante por Marcos (10:32-34):

E iam no caminho, subindo para Jerusalém; e Jesus ia adiante deles. E eles maravilhavam-se, e seguiam-no atemorizados. E, tornando a tomar consigo os doze, começou a dizer-lhes as coisas que lhe deviam sobrevir, dizendo: Eis que nós subimos a Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes, e aos escribas, e o condenarão à morte, e o entregarão aos gentios. E o escarnecerão, e açoitarão, e cuspirão nele, e o matarão; e, ao terceiro dia, ressuscitará.

Neste ponto Jesus já estava a caminho, em um ritmo lento, de Jerusalém. E à medida em que ele se aproximava de seu destino, as coisas ficavam mais sérias e intensas. Isso é perceptível pela crescente quantidade de detalhes que ele dava sobre sua morte, e pela resposta emocional de seus seguidores: eles estavam maravilhados e atemorizados. Jesus prosseguia a Jerusalém, em ritmo crescente, como alguém que tinha algo muito importante e difícil a fazer lá, e ele não queria perder o impulso e o propósito. Havia algo muito importante a ser realizado! Havia um plano a ser cumprido! Você já esteve tão determinado a fazer algo que sua forte resolução impressionou alguém?
Mas as dificuldades não eram esperadas só em Jerusalém – elas foram vivenciadas ao longo de toda a jornada. Primeiro, Jesus enfrentou rejeição em uma aldeia samaritana, porque “sua face era a de quem ia a Jerusalém” (Lucas 9:53) -  o episódio em que Tiago e João queriam que fogo caísse do céu e consumisse o vilarejo. De qualquer forma, essa rejeição pode ter causado um incremento no tempo total de viagem, uma vez que o trajeto mais curto passava pelo território de Samaria e Jesus precisou contorna-lo. Uma segunda vez, relatada em Lucas 13:31-35, ocorreu quando Herodes (o tetrarca da Galiléia e Peréia), alegadamente, queria tirar a vida de Jesus. Essa ameaça foi dita ao Senhor pelos Fariseus (sim, os próprios!), que aconselharam Jesus a deixar a região. Ele lhes respondeu que estava, sim, de partida – não para fugir da morte, mas para garantir que ela acontecesse no local apropriado: Jerusalém.
Deus também preparou uma jornada para cada um de nós. Ele nos chamou para uma maratona, sobre a qual o autor de Hebreus escreveu: deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta, olhando para Jesus, autor e consumador da fé, (...). Considerai, pois, aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos. (12:1-3). Às vezes o destino final parece distante – a realização de sonhos e tarefas que o Senhor nos confiou. Às vezes dificuldades podem causar certo atraso ou nos fazer duvidar que chegaremos lá. Mas há um propósito para a sua vida, estabelecido por Deus.

      2.       Jesus gastou tempo com pessoas
Como lemos anteriormente, Jesus estava se aproximando de Jerusalém em um ritmo intenso. Ele estava focado no objetivo último de seu ministério, sem tempo a perder. Mas, por mais impressionante que seja, e mesmo sob tais circunstâncias, Jesus nunca ignorou ou dispensou pessoas – elas eram (e são) a razão pela qual ele veio. Se considerarmos somente os últimos 20 km da viagem (de Jericó a Jerusalém), há muitas histórias de encontros marcantes entre Jesus e pessoas por ele cuidadas. Sem muitos detalhes, eu gostaria de apontar algumas delas:

     ·         O cego Bartimeu, que clamava “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!”. A multidão, ansiosa para ver Jesus entrando em Jerusalém não queria permitir nenhum empecilho à viagem (e talvez o próprio Jesus, por estar absorvido no propósito de chegar à cidade santa, não discerniu os primeiros clamores do homem). Mas Jesus lhe deu a atenção necessária e o curou.
      ·         Zaqueu, o coletor de impostos, considerado pecador e traidor pelos judeus, foi buscado por Jesus;
      ·         Lázaro, que foi ressuscitado de entre os mortos;
      ·         Maria, irmã de Lázaro, que honrou a Jesus e foi por ele honrada antes de sua morte.

Não é maravilhoso saber que Jesus nos aprecia e se interessa por nós como indivíduos? Que, mesmo sem se esquecer da visão geral do plano de Deus e de cumpri-lo, Jesus se apraz em ter um relacionamento pessoal conosco? Seu objetivo final não foi simplesmente cumprir uma tarefa, mas alcançar pessoas. Elas eram a razão de sua missão.
Devemos ter em mente que o Reino e o coração de Deus são centrados em pessoas, e não em uma lista de tarefas ou programas que devemos realizar perfeitamente. Da mesma forma como os encontros de Jesus ao final de sua trajetória, praticamente todos os demais encontros foram casuais, à medida que ele “seguia seu caminho”, sem agendar reuniões.
Como nós tratamos as pessoas quando estamos “muito ocupados” ou com nossas mentes “em outro mundo”? Damos maior importância à programas e projetos do que a pessoas? Nossa missão como cristãos são as pessoas, não o ministério. O ministério é a forma de alcançar gente.

      3.       Jesus é o Rei cujo Reino é e há de vir
Nesses últimos vinte quilômetros, percebemos que uma multidão seguia Jesus. E, à medida em que ele avançava, mais gente se unia. Havia tanta expectativa com relação ao Senhor, mais especificamente, eles buscavam um líder político que libertaria Israel do jugo romano, assim como Moisés livrou os israelitas da opressão egípcia: o livramento que seria celebrado em poucos dias, na Páscoa.
Lucas 19:11 nos diz que “Estando eles a ouvi-lo, Jesus passou a contar-lhes uma parábola, porque estava perto de Jerusalém e o povo pensava que o Reino de Deus ia se manifestar de imediato”. Tiago e João, inclusive, já estavam pedindo ao Cristo que lhes concedesse assentos ao seu lado no “Reino”, provavelmente imaginando que a jornada à Jerusalém culminaria em uma tomada da terra dos romanos para os israelitas.
Para Jesus, sua chegada à Jerusalém significava algo totalmente diferente do que para seus seguidores. Estes buscavam um reino na terra, um libertador político – o que levou a uma grande frustração. Jesus estava, de fato, introduzindo um Reino – não dos homens, mas de Deus; não físico, mas invisível. Aquelas pessoas não foram capazes de entender o que Paulo mais tarde descreveu como “o mistério de Deus, oculto por eras e gerações” (Col. 1:26). “Mas que agora”, continua Paulo, “foi revelado aos seus santos”. Nós recebemos os Espírito Santo, e com ele a possibilidade de conhecer e compreender a mente de Cristo. Não sejamos alarmados por nenhuma sorte de turbulência, nem abalados em nossa fé por circunstâncias exteriores. O Reino ainda é invisível, e está em nós que recebemos o “Cristo, o filho do Deus vivo”.
Qual era a importância da entrada triunfal, além do cumprimento de uma profecia? Para as pessoas, como supracitado, significava que os dias de opressão romana estavam contados. A expressão “Hosana!” significa “Oh, salva-nos!”. O uso de ramos de palmeiras, o símbolo nacional judaico, implica certa forma de nacionalismo. Ao cobrir a estrada com suas capas, o povo estava afirmando seu compromisso de se sujeitar a Cristo como seu Rei, assim como os israelitas haviam feito quando Jeú foi coroado rei de Israel (2 Reis 9:13). Ao mencionar Davi e seu reino, chamando Jesus de “filho de Davi” e “Rei de Israel” eles estavam reforçando seu apoio incondicional àquele que eles imaginavam que seria seu rei. O clamor é baseado em Salmos 118:25,26.
Para Jesus, essa entrada significava a inauguração do seu Reino dos Céus por meio de sua morte. Ele não tinha uma ideia equivocada quanto ao que haveria de acontecer. Seus olhos e seu coração estavam fixos em seu propósito. Ele amou as pessoas até o fim. Sua jornada era à cruz, para lidar com o pecado de uma vez por todas. Jesus é o Rei que morreu em favor de seus súditos.
Provavelmente o principal aspecto da “entrada triunfal” e seu relato nos evangelhos é registrar o cumprimento da profecia de Zacarias 9:9. Há uma lista de 353 profecias que foram cumpridas em Jesus. Aliás, uma expressão frequente nos evangelhos é a que diz “para que se cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas”, ou similares. Isso era com o objetivo de trazer confiança na identidade do Cristo e prover as pessoas (especialmente os judeus) com formas de reconhecê-lo. Mas há alguns aspectos interessantes sobre esses cumprimentos que precisamos entender:
·         Primeiramente, Jesus participou na busca por entendimento e cumprimento das profecias a seu respeito. Há uma intenção clara, uma proatividade que o levou a isso. Em muitos casos Jesus provocou o cumprimento de uma profecia (por exemplo, ao dizer, na cruz, “tenho sede”). Para tanto, ele precisava conhecer essas escrituras.
·         Em segundo lugar, é que sempre havia um fator sobrenatural no cumprimento das profecias, o que revela uma grande confiança no Pai. Aquilo que não podia ser controlado ou realizado por Jesus era feito pelo Pai. No caso da profecia do jumentinho, além do conhecimento sobrenatural, podemos apontar para a acurácia e convicção daquilo que Jesus disse sobre o jumento e sobre os eventos que os discípulos deveriam esperar ao busca-lo para o Senhor.
·  Em terceiro lugar, temos a participação dos discípulos. Apesar do fato de eles não compreenderem inteiramente tudo o que estava acontecendo, e nem mesmo associarem esse evento com as Escrituras até mais adiante, a sua obediência facilitou o cumprimento. Os discípulos, como sempre, tiveram participação importante ao preceder Jesus. Assim como ele havia enviado os discípulos às aldeias que ele mais tarde haveria de visitar, ele enviou dois discípulos para buscar o jumento. Esse fato, omitido por João, é mencionado por todos os demais evangelistas. Jesus lhes deu instruções bem claras: uma tarefa, um direcionamento, o conhecimento necessário e as ferramentas para concluir a obra.

Deus é fiel em todas as suas promessas. Assim como muitas profecias foram cumpridas em Cristo, há tantas outras que serão cumpridas em seu devido tempo. Nesse intervalo, devemos buscar entendimento com relação ao nosso papel no plano soberano de Deus e seu Reino.
Nós, cristãos, estamos bem familiarizados com muitas profecias e trechos da Bíblia que falam sobre Jesus diretamente. Mas Deus tem promessas e instruções para nós também! O Salmo 139 fala sobre os pensamentos maravilhosos de Deus a nosso respeito. Efésios 2:10 diz que “fomos criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas”. Não considere as Palavra de Deus como algo impessoal, sem significado particular, que não se aplica a você como indivíduo. Vamos trabalhar para a realização do evangelho em nossas vidas! Vamos confiar no Senhor para concretizar em e através de nós aquilo que a nós é impossível, sem eliminarmos ou abafarmos o sobrenatural de Deus como uma realidade a ser esperada. Vamos nos envolver na vontade de Deus e compartilhar de seu propósito!

Paulo testificou, a falar das dificuldades e aflições que enfrentava no ministério:

“Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento” (2 Coríntios 2:14)
Jesus verdadeiramente triunfou – talvez não como os israelitas esperavam, mas de forma mais profunda e completa. Ele adentrou Jerusalém como um vencedor – sobre o pecado e a morte. E ele nos conduz nesse desfile triunfal consigo, sendo o nosso modelo perfeito.